quarta-feira, 22 de julho de 2009

Os homens de verde




Os quatro caminhões verdes, grandes e ameaçadores traquejavam na endurecida e esburacada rua da pequena cidade cordilherana fazendo que o barulho atraísse os curiosos habitantes para as portas e janelas das casas humildes de aquele lugar.

Os caminhões cheios de soldados armados com fuzis e metralhadoras pesadas frearam violentamente frente à casa arvorada e singela pintada de cor mostarda.

Eles desceram em tropel obedecendo aos gritos de comando.

Os dois mais corpulentos, apertando os dentes e com cara de guerra chegaram até a porta e a chutaram com violência derrubando a mulher que assegurava na porta semi esgueirada.

Caiu para trás num grito de dor que ecôo pelas ruas e na dor lancinante agarrava o ventre com as mãos como querendo proteger a sua gravidez.

Os soldados numa tempestuosa e agitada atitude violenta, depois de entrar na casa começaram a procurar, nas gavetas, chutando portas, quebrando janelas e derrubando todo o que estava no caminho.

Duas crianças abraçadas tremiam de medo.

Com o pavor desenhado nos seus rostos.

Os soldados as separaram com brutalidade e entre gritos e choros aterrorizados foram arremessadas para fora da casa como se fossem dois bonecos de pano.

A menina no se mexia.

O menino chorava colocando as mãos nos rins. Entretanto a gritaria continuava em todo o bairro porque também outras casas tinham sido tomadas de assalto.

Soldados pelas ruas procurando alguém.

Dentro da vivenda a cena era de terror.

A mulher começou a sangrar e aos pouco o rosto foi ficando lívido.

Quando a palidez se acentuou, um dos chefes mandou uma das curiosas de fora a ajudar a pobre mulher.

Tentaram reanimá-la.

Todo em vão.

O sangue formou um tapete vermelho no chão, a mulher deixou cair à cabeça e pareceu expirar.

Nesse momento Ramon voltava do seu trabalho caminhando.

A mais o menos uns duzentos metros viu uma movimentação diferente na rua da sua casa, para ser, mas apropriado exatamente na sua casa.

Algo de grave estava acontecendo.

Começou a apresar o passo, enquanto uma angustia desesperada invadia todo o ser.

Que estava acontecendo?

Na medida em que ia chegando mais perto seu coração batia com apreensão descompassada e uma angustia nunca antes experimentada apertava-lhe o peito e agitava a sua respiração. –Meu Deus- Pensou.

E mesmo na minha casa!

Entretanto a menina já tinha voltado em si e estava chorando junto do seu irmãozinho.

Um deles levantou os olhos e viu o pai a distancia. Correram chorando e chamando-lhe se agarraram da calça do pai sem poder falar nada.

Ramón tentava perguntar que e o que estava acontecendo.

Um dos soldados os viu e a uma voz de comando, vários outros saíram correndo até onde ele estava e arrancando os dois meninos do se lado, começaram a dar chutes e bater nele com os fuzis e com os punhos derrubando-o e arrastando-o até perto dos caminhões dando golpes e mais golpes até que um deles colocou umas algemas com as mãos para trás.

O jogaram dentro do caminhão como se fosse um saco de lixo.

A boca sangrava.

Os olhos fechados, inchados.

O nariz com sensação de dormência e a dor imensa e insuportável pelo corpo todo foram fazendo que ele perdesse os sentidos.

Acordou com o traquejar do caminhão detonando seus ouvidos e por um pequeno espaço do olho dolorido que conseguiu abrir, enxergou a ponta de uma bota poeirenta e a culatra de um fuzil apoiada no piso do caminhão.


cristina




Naquela posição deitado no piso de veiculo, o corpo doía a cada movimento.

O salgado na boca, a sede e aos poucos a lembrança voltando à realidade.

Que havia sucedido?

Tinha conseguido ver de relance o corpo de Cristina pareceu que estava morta.

Nesses instantes não teve tempo de analisar, mas agora compreendia que as pessoas que estavam ao seu redor na expressão de espanto demonstravam claramente que ela estava morta.

Quanta sede!

O gosto de sangue salgado.

As gracinhas dos soldados, de vez em quando uma ponta pé, um xingamento.

Pensou numa laranja fresquinha e suculenta. Quanta sede!

Pensou em Cristina.

Quem era Cristina?

Garota loura linda, de olhos verdes.

Dezenove anos.

Bonita, simples, humilde.

Pensou no momento que fora a buscá-la na casa dos seus pais, lá ao Pé da cordilheira dos Andes, perto do vulcão do Tromen onde eles criavam cabras.

Ele a trouxera nas ancas do cavalo.

Atravessaram córregos, pularam buracos e lentamente ao passo do cavalo foram pela neve ate a noite estrelada achá-los ainda cavalgando.

Cristina tinha vindo para cuidar das crianças.

Voltou a sentir o gosto de sal na boca e as imagens da sua mente o levaram ate ao momento naquela vez que viu que Cristina estava chupando uma laranja.

As crianças tinham saído com a sua mãe.

A casa estava sozinha Quando Ramon entrou viu ela com uma laranja na Mao chupando ávida e gostosamente.

Ele olhou com tanto desejo que Cristina lhe oferecera esticando a Mao.

Quer chupar?

–Uma inocente malicia na candura da pergunta-

Um vulcão sem controle.

Chegou perto dela, o pegou nos seus braços e juntou seus lábios nos dela tentando diminuir a febre num beijo prolongado com gosto de laranja fresca.

Cristina respondeu ao beijo abrindo a boca e se entregando totalmente a caricia.

Sem noção do tempo.

Sem noção de nada.

Somente os movimentos mecânicos que foram conduzindo-os até a cama do quarto do casal entre beijos e respiração agitada e entrecortada e as mãos nervosas arrancando a roupa ate ficar totalmente nus e seguir os instintos num intenso momento de luxuria e amor.

E agora ele esta ali, no piso duro do caminhão.

O rosto sangrando as mãos algemadas nas costas... Cristina a linda Cristina, tal

vez estava morta com o filho gerado naquele dia, também morto no seu ventre.

a caixa de cimento

Era tempo de ditadura, tempo de repressão. Corriam rumores de revolução.

Rumores de que o governo seria derrubado. Ramón era um líder.

Presidente da juventude do movimento popular. Junto com outras prisões, tinha sido decretada a prisão dele, mas ele ignorava nesse momento que na crença de que Ramon soubesse alguma coisa dos grupos extremistas, deveria ser preso e interrogado.

O barulho do esforço dos motores e as rodas patinando montanha acima no gelo e a neve daquele inverno frio de cordilheira dos Andes o mantinham acordado.

Depois de um longo tempo.

Hora e mais horas, os veículos chegaram a uma imponente construção perdida numa região patagônica onde o assoviar do vento branco e a neve quase constante do inverno, transformara num congelador, freezer permanentemente ligado.

Daquela forma brutal, aos chutes e empurrões foi conduzido até o interior da chamada caixa de cimento, tal era o nome que apelidavam a prisão.

Tiraram as algemas.

O despiram.

E o jogaram dentro de uma solitária três por três onde só existia uma latrina no canto, o frio, a solidão, as dores e as feridas.

Alguém lhe joga um abrigo de couro.

Ele se encolhe como se fosse ao colo da mãe e dorme.

Dorme sem tempo, sem existência, sem nada na mente.

Só, indiferente, triste, angustiado e temeroso.

As noites e os dias se sucedem.

Algumas vezes lhe deixavam uma cumbuca de sopa que ele toma com sofreguidão ainda com os lábios feridos e as mãos endurecidas pelo frio. Aproveitando para esquentar um pouco as mãos.

Aos poucos ensaia se erguer do chão tentando olhar pelo pequeno quadrado com grades que deixava passar alguma luz.

Conseguindo ver alguns altos álamos esqueléticos totalmente pelados pelo inverno cru.

Mas acima deles nuvens cinza-escuro e nada mais.

O tempo passa.

Quanta saudade do sol!

Até parecia que naquele lugar não existia.

As noites negras, longas, tenebrosas, um silencio total.

Parece que sempre está sozinho.

Não ouve vozes nem escuta pessoas andar.

O frio.

Uma noite dessas, ouve passos e na penumbra da luz que chega ao corredor quando abriram a porta da cela, conseguiu enxergar três homens encapuzados que começaram a bater sem piedade pelo corpo todo com chutes e cassetetes.

Não diziam nada.

Somente bateram durante uns dez minutos sem dar importância aos gritos e dores e depois foram embora.

Ficou ali, esticado no chão frio.

Nu, dolorido.

Com raiva surda e impotência inútil.

Desta vez no tinham batido no rosto.

Doíam os músculos e os ossos mais ao parecer nada tinha sido quebrado.

Olhou para o teto e começou a pensar.

Que teria sido da sua vida? (continuará)....